sexta-feira, 12 de junho de 2009

Rio Meu


Sou de novo um objecto. Um objecto que proclama o seu canto inaudível, não premeditado, pouco coerente, sem credibilidade nem aceitação, a sua voz ecoa vadia, vã e solitária.
Queria sentir-me, mas roubaram-me a capacidade sensorial que detinha e abandonaram-me neste riacho onde nem o rio me escuta.
Talvez o tente escutar, mas parece que nada do que diz, a mim se dirige. Como tal, não quero parecer intrometida e delibero só no meu canto.
Não falo. As palavras já me custam a sair, mais vale nada mesmo dizer. Não oiço nada senão o rio que teima em mostrar-me que é tão mais do que eu. Nada sinto, nada vejo. Cegaram-me com permissão e agora quero redimir-me onde não existe perdão.
Se ao menos alguém me sentisse ou notasse ou ouvisse. Se não fosse sempre cega, se não estivesse sempre nas mãos de outrem, se não fosse tão sensível, se não fosse tão eu, talvez fosse mais feliz.
Contudo, não poderia existir felicidade se não havia nenhum eu integral. A felicidade alheia não me pertence e com ela não posso partilhar sentimento que não careço.
Não há nada que possa fazer se não me sei ser nas mãos que me aceitem e amem cada detalhe, cada pormenor, cada expressão, cada defeito, cada alegria, e me dêem confiança e determinação para continuar a ser-me e a dar o melhor de mim.
Ando tão escondida. Oiço o sussurrar de uma voz inquieta. Ama-me e quer amar, quer soltar-se, quer ser grande, quer ser livre, quer ser apaixonada. Finjo que não a oiço. É inconsciente e ingénua, não sabe o perigo que corre, não sabe que o terreno não é fértil e ela é apenas demasiado genuína e criança para enfrentar o Nada. Porque na realidade não há razão para sair.
O rio torna-se ameaçador e eu finalmente percebo que ali não pertenço. “Não sei por onde vou, mas sei que não vou por ali”, disse alguém sábio cujo o nome não me recordo. Mas uso-a nesta situação, pois não sei regressar-me e estar segura no meu casulo onde nada nem ninguém me podem atacar, mas sei que caminhei e continuo a fazê-lo para o lado errado. De um lado onde só o Nada posso obter. E, para que a voz interior se cale, quero saber o que fazer, quero saber ser tudo menos errónea, quero não sofrer.

O teu olhar é já frio.

O teu toque arrefeceu.

Gelaste-me e eu acreditei na tua ronquidão.


sábado, 6 de junho de 2009

Não Vens


As palavras são redundantes e inserem-se em argumentos circulares vários. Já não há daqueles vocábulos que tanto me encantaram, aonde é que vim parar?

Os olhares já não se cruzam e as emoções perderam-se no tempo, infeliz o teu contentamento, infeliz o meu lamento.
Que se lhe acrescente um suplemento se é dessa carência que lhe falta, não há já rosto que me distinga, é o fugir à igualdade que me iguala.
Doloso é saber que te perdi quando numa tarde ao relento soprei. Não pensei que fosse no mar onde te encontrei que de mim tu fugirias.
E correste, correste e nada me disseste. Viraste-me a cara, abandonaste o teu olhar ainda terno, e deixaste que apenas o vento fosse dono e senhor do cabelo que só a ti pertence.
Não pensaste na saudade que deixaste ao partir para fora de mim.
Não pensaste que te queria e quero aqui. És tão apartado.
As palavras ocas já não me iludem, apenas acções dir-me-iam o contrário que tanto anseio. Apenas essas aliadas a uma vontade que, julguei ingenuamente que em ti imperava, me acordariam deste sono tão pejorativo.
Fizeste tudo para que acreditasse nessas tuas palavras soltas, insensíveis, delineadoras de um futuro amante, tristes, vazias, tuas para mim.
Não sou ninguém que te mereça. Não sou ninguém de especial. Sou-me como aprendi e me fui traçando.
Não sou quem procuras, não sou parte das tuas loucuras e, muito menos, sou parte de ti.
Deixa-me ali deitada, imóvel, à tua espera quando sei que não vens porque…

Por que é que não vens?