Sou pesadelo. Sou noite fria de Inverno.
Durmo ao relento e deixo o frio picar-me a pele. Estou gelada e despegada do mundo. Cortei a corda que nos unia e unificava.
Sou o terror da noite. Sou a noite.
Sou o escuro, o que não tem nome. Sou incorpórea, viajo por entre toda a gente e de dentro de toda a gente lhes vejo o buraco. É um buraco a todos comum, unânime, incipiente, desajeitado, mas sobretudo é um buraco vazio, característico da natureza humana.
Cheira mal, sabe a qualquer coisa putrefacta que ninguém ousa tocar porque lhes parece que quanto menor for o seu afastamento mais danos lhes poderá causar.
A distância parece-me então também minha aliada. Observo de longe o vazio, o Nada que têm dentro. Os sorrisos que simulam as pequenas máquinas despidas, vazias.
Sinto-lhes o vácuo. Ecoam-lhes por dentro vozes soltas perdidas, que procuram na verdade um superfície sólida, preenchida, minimamente cheia. Mas não encontram porque tudo isso nada mais é do que uma utopia. Como muitos "eus" que se nos contam nos quais acreditamos enquanto seres ingénuos.
O cheio não tem lugar. Tem o vazio.
E do vácuo que persiste na nossa essência ninguém lhe consegue escapar. Faz parte da nossa própria natureza a nossa mesma decadência.