sábado, 21 de novembro de 2009

Quebra-nozes

Saltavam. Eram penas, leves, esvoaçantes, serenas. Tinham suavidade em todos os seus passos e todos os voos eram minuciosamente controlados.
A sua aterragem triunfante irradiava beleza em toda a sua figura e como eu sonhava em voar assim também.
São compassos filiados por passos sentidos, soltos e metódicos, livres e forçados, dançados e altamente técnicos.
É uma arte e é tão bela.
E eu, inexperiente em presenciar esplendores de ordem esta, fiquei que mais que extasiada e embrulhada em todo aquele encanto e feitiço, deleitei-me e voei com eles também.
Atendi a todos os pormenores, procurei o peculiar, o detalhe, o complexo que é tão aprazível no nobre disfarce da dor que gosta tanto de intrincar.
Procurei uma semelhança, mas ela nem apareceu. Consegui identificar gestos poucos e tive uma sede incomensurável de ser com eles.
Que graça, que leviandade reflectida. É isto um mundo das dicotomias infindáveis e tudo isto mostra-se radioso.
Aquelas pernas voam, os braços voam, a cabeça acompanha ainda mais rápido todos os rodopios e aqueles pés onde assenta  o peso todo daqueles corpos num equilíbrio majestoso, numa simbiose perfeita.
E que dança e que vontade de ser com eles. De largar tudo e ser um corpo daqueles, voar , triunfar, sorrir e nunca chorar enquanto ali morar.
E em palmas várias, contínuas, incessantes, incansáveis, verdadeiras, sinceras, pessoais, únicas e intransmissíveis depositei todo o orgulho merecido naqueles seres dotados de capacidades inatas.
Quando for grande, quero ter também umas asas daquelas.

P.S.: A imagem foi retirada de um bailado e o texto foi inspirado num outro chamado Quebra-nozes.

domingo, 1 de novembro de 2009

Eu penso, logo...

Nasci em terras intocáveis, no rio da perfeição.
Cresci, porém, imperfeita como o bicho que destrói/come as plantações várias.
Sou solitária. Não há ser com o qual me identifique a não ser  fisicamente.
As imposições em mim não surtem efeito, que se mude então o modo de actuar porque para mim já não tem qualquer jeito.
Sei que me foram desde cedo impostas tantas outras coisas com as quais cresci, mas a sociedade moderna repleta de saber, com o conhecimento científico-tecnológico mais avançado, corrompe-me ou procura, infecta-me. E eu, que o vejo mas que nada faço, sou triste.
Se pensar demais magoou-me, mas se o não fizer serei ignorante. Eu quero saber, tenho sede de saber. Contudo, quanto mais chego a conclusões que outros pensadores mortos chegaram vejo que eu já morri também. Faleci quando tais pensamentos me invadiram e me não largaram. E, por isso, deprimi sozinha, incompreendida, ininteligível.
Sou da cor nenhuma. Se  não há cor eu sou essa mesmo.
Ora se eu não conheço nenhuma cor então duvido da veracidade da minha própria conclusão pois não sei se existe. Se não sei se existe, mas se eu que digo que a sou, então não sei se existo igualmente.
Diz o pensador que se “eu penso logo existo” – cogito ergo sum. Com bases empíricas que sei à priori que não são, de todo, as mais acertadas eu reformulo esta verdade alegando que “eu penso, logo magoou-me”.
E é tudo em que isto se resume. Se não pensar sou ignorante e, por sê-lo, torno-me um ser desprezível. No entanto, se penso vejo todos os defeitos à minha volta presentes e as virtudes não chegam para colmatar o buraco que falta.
Não serei sensata ao tomar esta atitude, mas também tenho consciência de que a tomo tendo chegado a outra opção porque pensei. E, por isso, a ignorância que me podem apontar será devido ao facto  de não ter pensado o suficiente para reflectir que o pensar sobre todas as coisas metafísicas é algo doloroso, mas positivo e belo pelo domínio cognitivo que se atinge.
Que me desculpem os mais sábios pensadores, mas para mim as emoções importam. E se sim, o saber é belo, é lindo, mas não é tudo, não me faz sentir amor outro para além do do saber. A coexistência exige o contacto com os outros, exige uma troca de experiências, de saberes, de discussões, de ideias e tudo isso é lindo, tudo isso é fado.
E é-o, de facto. A saber: Fado é destino, mesmo não crendo muito no mesmo, se o fizer não serei mais do que uma vítima do mesmo e saberei tão bem não aceitar as minhas escolhas quer sejam boas ou más, desculpando-me sempre com algo que quero convencer-me de que é superior a mim. A verdade é que podemos enganar a todos menos a nós próprios, como tal não vale a pena enrolarmo-nos a nós mesmos em cantigas, bebendo da ilusão e esquecendo-nos de lutar para alcançar uma vida boa.
Nada é bonito se não o podermos partilhar. Essa partilha exige, obrigatoriamente, a presença de pelo menos um outro nosso semelhante.
A questão que me coloco é se valerá a pena. Tudo isto que para aqui declamo é bastante sedutor nas suas bases teóricas, ao passo que, na prática,  o mesmo não se comprova, pelo menos com a minha humilde pessoa. Contanto que se torna uma reflexão lógica aquando levanto estas questões, existenciais e ontológicas, e alego que caminho por entre uma multidão sem ninguém. Ora aqui denoto já duas contrariedades. A saber: a de não poder ser esta reflexão lógica uma vez que esta dissertação nada mais é do que um juízo pessoal e muito empírico e, a de caminhar com tanta gente e sem ninguém.
Deste modo, esta forte tese onde a palavra ninguém é bastante enfática é realmente contraditória e não o é. Ou seja, realmente é um paradoxo pois por multidão entende-se um aglomerado de pessoas e por ninguém nenhuma. Esta tese remete toda para um outro conceito que tenho vindo ao longo do texto a defender – a Solidão.
É deste isolamento que falo, é isto sinónimo de tanta gente ter a mesma conotação que ninguém se me encontro só.
Estar ou não com tanta gente são vocábulos certamente opostos, contudo são também para mim análogos.
Acredito veemente que haja algures uma outra cabeça pensadora que se indague com os mesmos propósitos que eu e pelos inúmeros sentimentos que também acarreta talvez tome, tal como eu, a mesma escolha de o não expressar, visto que as conclusões são demasiado díspares entre si e não conheço ser pensante outro que as aceite.
Já nem ponho em causa a compreensão, pois compreendo eu que seja difícil – ainda que o difícil seja belo nem todos o procuram – pediria apenas uma aceitação verdadeira. Porque das sombras já vive o mundo e eu quero continuar a procurar, incessantemente, a luz incomensurável.
Não obstante, sei que seriam apenas falsidades que obteria. Sentir-me-ia ouvida e não ouvida e só esta dualidade de opostos conseguiria reunir, esta dicotomia.
Por muito que me considere errada, o benefício da dúvida desilude-me vezes sem conta e venho parar sempre ao mesmo sítio. Estou cansada de remar, por isso dou descanso à canoa velha.
Morri espiritualmente pois esta coisa incognoscível já de nada vive a não ser da contradição e do desgosto de tudo o que é já existente e pré-concebido pelos meus superiores.
Talvez então não seja suficientemente sapiente ao ponto de ver isso mesmo ou então ainda não li algo que me enriquecesse a alma a esse ponto.
Ate lá continuarei a seguir a filosofia em que mais acredito e que é contraria à de todos. Todavia, deixo a pouco e pouco de me importar.
Cheira a Solidão.
Esta não pode viver se não trouxer consigo a sua grande aliada – a Loucura.

Selva

 Estou ausente de mim. Tirei uma folga e quero paz. Quero um imaginar de um paraíso, quero ouvir a nascente onde os passarinhos cantarolantes afagam a sua sede. Quero ouvir a musicalidade que o vento tem quando roça nas folhas soltas e estas, por sua vez, dançam desalmadamente, provocando assim, uma sinfonia paradisíaca, repleta de quietude, calma e divindade.
O mar está calmo, como é costume, e os animais selvagens são tão autónomos e singulares que deles medo não tenho.
A vida aqui é pacífica. A vida aqui parece ser como um refugir à cidade corrosiva, deturpadora, mutiladora e feia.
Não vejo ninguém, sou apenas eu nesta ilha. Conheço além uma tribo, mas, ainda que diferente, agora quero é conhecer-me por cada recanto deste lugar. Quero desvendar uma parte de mim oculta, que estagnou ou que não conheço, quero exaltá-la, apetece-me sorrir.
Não quero pensar porque pensar dói. Quero assimilar todo o conhecimento empirista e apagar tudo o resto. Quero começar do zero e formar novos conceitos com base na experiência.
Espreito por entre a densa vegetação e logo faço parte dela. Aceita-me tão bem e esconde-me por entre as suas folhagens cada uma com um aroma ainda mais característico que a anterior.
Olho e não se abre caminho se não a afastar com um pau que consegui depois de regatear com um selvagem. Não serei eu também uma agora? Não, ainda não. Hei-de ser, quando me libertar do que me prende e me souber ser e sobreviver neste mundo, para estar preparada para o grande Regresso.
Quero ser selvagem, não tenho qualquer vergonha porque esses demonstram ser tenazes e confiantes das suas capacidades, são o seu máximo e, são, acima de tudo, felizes.
São primatas, são. Mas estão tão longe dos pecados que corroem o homem – ele mesmo.
A minha evasão faz-me duvidar da minha fisionomia e aspirar uma outra talvez muito mais psicológica e utópica, mas dulcíssima. Onde a vontade que impera é a de entrar tantas vezes por esta porta para me ser no correcto e viver o melhor de mim.