domingo, 26 de outubro de 2008

Canta-me


Será que ainda cantas a mesma canção com o mesmo embale que lhe deste?
Aquele que só tu cantavas com aquela diferença. Por ser teu. Por ser tua a voz que ouvia e mais nenhuma.
A tua linguagem que sempre usaste para comigo… Tão nua de preconceito, tão despida de crueldade, tão transparente de índole.
Queria ser livre de expressões, livre na escolha dos vocábulos. Olhar para o céu sem ressentimentos nem remorsos, sem lembranças penosas. Expelir o que interiormente me acusa e libertar-me dos meus medos. Recuperar a felicidade que deixei caída no tempo inarrável.
Poderia ser quem tu és, mas não sou fria. Sou sensível, condoída, susceptível a um choro interminável, salteador da vontade de sorrir.
Sou quem sou e o que sou, como me fui e me vou traçando por entre estradas falíveis e deterioradas às quais ninguém pode fugir.
Corrupto.
É o que tu és. Por me arruinares sentimentos, sem saberes ao certo orientar os teus actos, as tuas palavras, as tuas orações mal formadas, a tua linguagem tão incipiente e fúnebre. Prometedora, mas mentirosa. Sobretudo mentirosa, dolosa, vergonhosa.
Atitudes que não te deveriam pertencer.
Engrandece-te.
Falamos depois.
Cantamos a nossa canção numa outra data, tal como me fizeste, quando em ti ainda imperava a vontade.
Vontade de amar.

terça-feira, 14 de outubro de 2008

Ego na multidão


Fui tentar-me no alto de mim
Quis ser quem não sei
Medo de ser mais que eu talvez
Medo de ser alguém.

Fui falar-me às vozes ouvintes
Procurei nelas respostas ansiadas
Refugiei-me na minha angústia
Das aventuras passadas.

Fui ver-me ao Passado
Tão esquecido como de nome é
Não me veio a mim a montanha
Quero ser como Maomé.

Fui a identidade que perdi
Sou o nome que abandonei
Letras soltas sem sentido
Não tenho sequer apelido
De onde virei não sei.

Fui ser e não soube
Quis acreditar em mim inutilmente
Sou tudo aquilo que desconheçoDizem-me que até sou gente.

Fui e sou parte da multidão
Que todos vêem, mas que ninguém repara
Sou tão visível como os outros
E tão insignificantemente rara.

sexta-feira, 3 de outubro de 2008

Quero esquecer-me de ti


Levanto-me do sofá corroído pelo tempo infame e procuro o meu reflexo.
Perco-me nessa observação e vou para além do olhar. Perco a noção do tempo e vagueio para outras vivências antigas que teimam em magoar-me, como se a competir estivessem.
Percorrem-me o pensamento destemidas e tenazes lembrando-me da solidão em que me encontro. Lembrando-me do meu sorriso que, nesta altura tão importante, me foi sequestrado.
Queria-lo de volta. Mas pedi-lo é demasiado porque até agora não obtive nenhuma resposta ao meu tão desejado requerimento.
Sou messiânica. Inexplicavelmente é a única explicação para ansiar tudo aquilo que não virá, tudo aquilo que não poderei recuperar.
Tenho mais do que vontade de chorar e mais do que razões para o
fazer. Todavia, tenho também um estranho e irreconhecível sentimento que não quer revelar o meu estado interior.
Sinto tanto a tua falta. E o péssimo é saber que não a deveria sentir e não conseguir.
Talvez a morte ao coração não seja assim tão violenta como soa a palavra e, quiçá, até acabaria com este meu desgosto.
Disseste que me amavas com uma voz tão inocente à qual nem os que assim são conotados se atreveriam a fazer frente. E nem o fizeram.
Ver-te, imaginar-te, saber de ti, conhecer-te só me fere mais. Preferia esquecer-me de ti.
E se me esquecesse, conseguiria não voltar a cair neste horrendo erro de amar?
Espero “messianicamente” que não, mas sei conscientemente que sim.
Parece que quanto mais vivo mais me iludo em palavras que tomo, à partida, como mentirosas, ignorando-lhes o rótulo.
Procuro em ti a pessoa que em ti morreu e que em mim vive. Solta, livre, leve. É como ar que respiro, não lhe importa a limitação do tempo, nem de nada. Vive porque lhe dou o que necessita para tal.
Estimulo-lhe a essência sem obter qualquer retorno.
Quem procuro querer não existe, fez-se por existir enquanto pôde, enquanto quis. E eu, apelando fortemente à minha ignorância mais profunda acenei com a cabeça, como se de uma infantilidade se tratasse. E tratava-se, mas não quis ver isso.
“Cada um faz a cama onde se deita”. Eu apenas fiz a minha. Agora? Agora deito-me dela.
Abandono o meu triste reflexo que nada de bom me traz e reconforto-me no leito dos problemas, visto que é o único que ainda me aceita para nele me recolher.
Insulta-me todas as noites. E todas as noites esses insultos impetuosos eu mereço.
Doem. Mas dói mais pensar em ti.
Pensar no que por ti sinto.

Vou fingir que te esqueci.